Canto do Conto Secreto

Pensamentos, Sentimentos, Atitudes e tudo o que nos rodeia e pode ser escrito numa combinação de meia-dúzia de palavras

Tuesday, June 27, 2006

A caixinha encarnada...

Após um maravilhoso acordar dou por mim a reparar numa caixinha encarnada de veludo no cimo de uma estante com imensas bugigangas e livros antigos amarelos pelo pó. Sinto que descobri um tesouro. Um pequeno tesouro só meu. As pernas da caixinha eram um prateado já gasto, e todas trabalhadas. Sinto-me impotente de lhe tocar. Sinto que traz algo forte e grande lá dentro. Como se fosse algo tão pequenino que trouxesse algo tão grande.
- Ah! Já estás acordada! Bom dia! Vá, anda lá tomar o pequeno-almoço!
Desço as escadas, e sinto os macaquinhos da Guiné a dançarem para mim. O anjinho hindu levanta os braços como se me fosse abraçar enquanto olha para o outro anjo estático obrigando-o a deixar de estar com aquele ar de mártir e sorrir.
O pequeno-almoço era sempre tratado como qualquer outra refeição. Tudo sentado à mesa. Tudo ainda com um ar meio-ensonado. As conversas que pairam no ar são as da praxe. O se dormiu bem ou mal ou então o que vem no jornal do dia.
Mal saio porta fora, encontro novamente o meu amigo sol, a radiar energia e espalhar alegria por todos os lados. A rua parecia completamente oposta à que outrora tinha visto. A terra misturada com a areia já era dourada. As casas tinham ganho outra cor. As crianças brincavam na rua. Os mais velhos com os mais novos a encaminharem-nos para um dia de praia. Os mais jovens com as pranchas de surf ou body-board debaixo dos braços. No fundo da rua os velhos a jogarem à malha.
Continuo a andar. Encontro um convento ou castelo em ruínas. Nem faço ideia do que foi outrora. Muito menos como foi destruído. Um maremoto, um tsunami, uma guerra? De qualquer das maneiras a diferença não era muita. Seria destruído na mesma. A única diferença consistia se por mão humana ou pela própria natureza. Os arcos enormes ainda intactos arrepiavam-me. As paredes nas quais muito sangue terá ficado impregnado, serviam como um fóssil humano. Passeio por dentro e ao longo do trajecto parece que vou encontrando os vestígios da vida humana que por lá passou. Todos ou quase todos se foram. Todos ou quase todos não resistiram. Por instantes ou por várias horas a vida humana deixou de ter valor. Por instantes passou a zero. Mas continuava a existir sempre a esperança. A esperança de um dia, a esperança de uma boa ou má recordação.
Por momentos só me lembrei do meu tesouro. A minha caixinha encarnada que naqueles instantes me parecia reconfortar.

Sunday, June 18, 2006

Noite e Dia...

De volta ao meu novo cantinho, olho para a mesinha de cabeceira e decido qual o livro que folhear. Dostoievski, Kafka ou Diderot? Será que era capaz de me sentir transformada numa aranha alucinada chamada Jacques inserida no último filme do Woody Allen? Não. Entre o som das folhas das árvores arrastadas pelo vento, conjugado com o som da água do mar a bater nas rochas, uma nuvem pequenina puxa-me pelos braços e transporta-me através da janela de madeira escura ao mais alto dos horizontes. Sinto-me a saltar de nuvem em nuvem sempre de mão dada com a minha nova amiga. Encontro as várias constelações a observarem-se espelhadas no mar. Cumprimento a lua, que me segreda ao ouvido que se sente mais jovem e viva que nunca. Longe do mar e perto da terra começo a ver o sol que me pisca o olho e aguarda o meu regresso, com o auxílio de um fio de água de chuva, para dar inicio a um novo dia. Acordo com o sorriso do sol reflectido no mar a dar-me os bons dias.

Thursday, June 15, 2006

Estar...

Hora de jantar. Desço as escadas que rugem por cada vez que os meus ténis tocam na madeira escura. Tudo à volta com meia dúzia de pendericalhos comprados em várias viagens. Uns macacos em pau santo da Guiné, uns Santinhos hindus da Índia, um santo qualquer comprado numa loja de antiguidades ali de Lisboa da Rua de S.Bento. Todos estáticos, todos sozinhos, sem direito à luminosidade que lhes desse vida, a oportunidade de contar a sua história.
- Estás a gostar? A casa está um bocado diferente. Foi tudo remodelado desde que nos mudamos para cá.
Sento-me. Eram pratos do serviço das Índias da Vista Alegre, era o faqueiro da Cutipol, os copos da Atlantis. Tudo, tudo apenas para um simples jantar. Tudo para servir para meia-hora de ingestão de alimentos com pseudo-conversas incluídas.E ali começam todos a falar enquanto vem a sopa trazida pela D.Alzira menosprezada por ser a simples empregada vestida de avental. Todos falam de tudo. Todos têm conhecimento de tudo e mais alguma coisa. Tudo sentadinho como deve ser, os cotovelos a não tocarem nas mesas, o nível de som das conversas homogéneo. O olhar a obedecer a certos intervalos de ângulos. E ali estou eu. Apenas a sentir o ruído de fundo. A observar a cara de mulheres e homens. A observar a tristeza espelhada nos olhos. A observar as caras embrenhadas no que é moralmente aceite.
Por muito que me esforçasse o meu corpo não se conseguia adaptar, os meus ouvidos não conseguiam transmitir tudo ao cérebro para ser processado. Apenas me dava o direito de observar e articular meia-dúzia de letras combinadas nas palavras. Por momentos senti-me o amarelo do Convergence do Pollock colocado no fundo da sala. Por momentos senti fragmentos de mim no meio dos azuis, dos encarnados e dos brancos que sobressaem. Senti-me ali com o fundo a não importunar a minha presença. Simplesmente a vaguear. Vaguear em pensamentos e palavras. Tentar entrar no Pollock e seguir todo o meu trajecto. Mais saliente nuns instantes, noutros mais escondido. Por vezes interrompido pelo azul, outras pelo branco ou encarnado, ou então por todos em simultâneo. Mas ali estava. Simplesmente estava.

Todas as cores se encontram e todas convergem para ideias alienadas de uma realidade supérflua imersa numa tela escorrida por tintas esvaziadas de contexto real introduzido num espaço aleatório a vaguear pela mente.

Wednesday, June 14, 2006

A escolha...

Naquele quarto com as paredes desprovidas de qualquer sentido, procurava encontrar algo que me conseguisse aconchegar. Umas partes em madeira escura pareciam unir a parede bege. O tecto do quarto continha vários estrados da mesma madeira, todos paralelos entre si. Mal abro a janela de madeira, ainda com os cortinados a cheirar a mofo devido à humidade, vejo por instantes toda a razão da minha existência. Um sol fogueado escondido no meio das nuvens escuras espelhadas na água do mar. O ar húmido misturado com pequenos grãos de terra e areia a bater-me na cara. Aquela maresia adicionada ao sabor a tempestade. Por momentos sinto-me a flutuar no meio de toda aquela beleza. Por momentos sinto-me escolhida para algo muito importante e que não sei ainda o quê.

O começo...

Adoro este tempo. Adoro este tempo escuro de trovoada e chuva. Transporta-me sempre para aquela praia longínqua. Para aquela praia onde chovia tanto que não conseguíamos distinguir os sons da chuva bater no mar e o do mar bater nas rochas. As ruas desertas, as casas cerradas, e eu ali andava. A desafiar a natureza, a sentir-me de braços dados, a entregar o meu corpo a algo mais poderoso. Olhava para todos os lados e lá observava os vários estilos arquitectónicos modernos. Todas as casas tinham uma história, todas diferentes, todas obedecendo a um determinado espírito. Umas mais à Art Deco, outras com um estilo arquitectónico orgânico, outras a high tech, mas tudo ali encaixava, os vários estilos interligavam-se. Mesmo tudo cerrado, mesmo caminhando sozinha na rua, com o céu escuro, aclarado com os trovões a tocarem no mar, com a chuva a bater-me na cara, lá continuava.
Nem sequer me dava ao trabalho de acelerar o passo, apenas queria sentir o melhor que a natureza tem. Continuava imersa nos meus pensamentos, que nem eu própria consigo descrever. A chuva penetrava violentamente no meu corpo, os trovões caiam a metros de distância de mim, e nada, nada disso me impedia de continuar. Nada me impedia de continuar a andar e sentir se a água que me batia no rosto era a do mar ou a da chuva. Nada me assustava, nem a própria trovoada com um som ensurdecedor me incomodava.
Apenas me incomodava sentir que aquele momento ia terminar, que aquela minha viagem ia acabar quando regressasse à vida mundana.
- Mas tu és doida, já viste o teu estado? Porque é que não telefonaste? – Perguntaram-me isto e a minha vontade foi logo esboçar um sorriso. Quem é que me estragava um momento tão íntimo, tão meu, com uma pergunta tão fútil? Constipações, Gripes? Seria a natureza capaz de trair a sua própria filha? A filha que a ama, que se entrega de corpo e alma?
De volta a retirar os trapos de dentro das malas. De volta a procurar adaptar aquela meia dúzia de metros quadrados a um espaço meu. Dispor os meus livros num canto onde nada pudesse tocar, transformar pequenos recantos em espaços que guardariam na memória tudo o que por lá deixasse.



Sunday, June 11, 2006

Vaguear...

Vagueio por pensamentos como quem segue uma pequena porção de água num rio, tentar não olhar para trás e ver o que vem a seguir. Impor as minhas prioridades acima de qualquer coisa. Olhar para a vulgaridade com olhos diferentes. Olhar para o que sinto como uma passagem para outra coisa qualquer.
Sentir que a vulgaridade que rege o homem, não me consegue atingir, mas sim obrigar-me a adaptar a ela.
Todas as esperanças, todos os sonhos não passam disso mesmo, tudo o que lutamos e tudo o que pretendemos, só conseguimos aquilo que depende exclusivamente de nós. Se pensamos que alguém muda… não vale a pena…
Espero que os próximos posts sejam mais alegres!!!