Canto do Conto Secreto

Pensamentos, Sentimentos, Atitudes e tudo o que nos rodeia e pode ser escrito numa combinação de meia-dúzia de palavras

Thursday, June 15, 2006

Estar...

Hora de jantar. Desço as escadas que rugem por cada vez que os meus ténis tocam na madeira escura. Tudo à volta com meia dúzia de pendericalhos comprados em várias viagens. Uns macacos em pau santo da Guiné, uns Santinhos hindus da Índia, um santo qualquer comprado numa loja de antiguidades ali de Lisboa da Rua de S.Bento. Todos estáticos, todos sozinhos, sem direito à luminosidade que lhes desse vida, a oportunidade de contar a sua história.
- Estás a gostar? A casa está um bocado diferente. Foi tudo remodelado desde que nos mudamos para cá.
Sento-me. Eram pratos do serviço das Índias da Vista Alegre, era o faqueiro da Cutipol, os copos da Atlantis. Tudo, tudo apenas para um simples jantar. Tudo para servir para meia-hora de ingestão de alimentos com pseudo-conversas incluídas.E ali começam todos a falar enquanto vem a sopa trazida pela D.Alzira menosprezada por ser a simples empregada vestida de avental. Todos falam de tudo. Todos têm conhecimento de tudo e mais alguma coisa. Tudo sentadinho como deve ser, os cotovelos a não tocarem nas mesas, o nível de som das conversas homogéneo. O olhar a obedecer a certos intervalos de ângulos. E ali estou eu. Apenas a sentir o ruído de fundo. A observar a cara de mulheres e homens. A observar a tristeza espelhada nos olhos. A observar as caras embrenhadas no que é moralmente aceite.
Por muito que me esforçasse o meu corpo não se conseguia adaptar, os meus ouvidos não conseguiam transmitir tudo ao cérebro para ser processado. Apenas me dava o direito de observar e articular meia-dúzia de letras combinadas nas palavras. Por momentos senti-me o amarelo do Convergence do Pollock colocado no fundo da sala. Por momentos senti fragmentos de mim no meio dos azuis, dos encarnados e dos brancos que sobressaem. Senti-me ali com o fundo a não importunar a minha presença. Simplesmente a vaguear. Vaguear em pensamentos e palavras. Tentar entrar no Pollock e seguir todo o meu trajecto. Mais saliente nuns instantes, noutros mais escondido. Por vezes interrompido pelo azul, outras pelo branco ou encarnado, ou então por todos em simultâneo. Mas ali estava. Simplesmente estava.

Todas as cores se encontram e todas convergem para ideias alienadas de uma realidade supérflua imersa numa tela escorrida por tintas esvaziadas de contexto real introduzido num espaço aleatório a vaguear pela mente.

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