Canto do Conto Secreto

Pensamentos, Sentimentos, Atitudes e tudo o que nos rodeia e pode ser escrito numa combinação de meia-dúzia de palavras

Wednesday, May 09, 2007

Princípio do Fim ou Princípio da Continuidade...

Levantei-me. A primeira coisa que fiz foi olhar para o meu tesouro, para a minha caixinha encarnada. De seguida enrolo-me novamente nos lençóis e começo a lembrar-me da história da vida do Sr. Francisco. Questionei-me sobre a mudança que me fez ao rever tal senhor. Sim, porque sofremos alterações sempre que alguém toca na nossa vida e nos faz pensar. Pensar duas vezes no que queremos, fazemos ou sentimos. Olhar para trás duas vezes e pensar no bom e no mau.

Descendo as escadas, observo o anjinho hindu e os macaquinhos da Guiné a sorrirem como se já soubessem de tudo o que me esperava. Como se me estivessem a segredar “tens de ser tu a fazer esta caminhada de descoberta”.

O mesmo ritual de sempre ao pequeno-almoço e só me apetecia novamente falar com o Sr. Francisco. Tentei mastigar o pão com manteiga o mais rápido possível. Tentei beber o leite com chocolate como se fosse um shot de uma porcaria qualquer.

“A minha amiga voltou cá hoje!”. Sou recebida com entusiasmo. Tento perceber a razão de ser de tal percurso de vida. Começa a contar-me as histórias de infância. Órfão de pai, descreve-me a vida atribulada da mãe e a luta que tal senhora teve de fazer para o criar. “Não julgues que isto é como hoje! Tanta facilidade para tanta coisa, e esquecem-se de semear o mais importante ”. Descreve-me a união e a força que sentia, o amor que era gerado por pessoas que nada tinham para partilhar, a não ser os afectos. Falou-me da sua primeira namorada, a Jacinta. “Era um anjo. Os cabelos castanhos despenteados pelo vento enquanto corríamos de mãos dadas para o nosso lugar, deixavam com a sensação de que era a minha mulher para sempre! Amavamo-nos como se não houvesse amanhã!”. Passado uns anos estalou a guerra colonial e lá teve de ir para a Guiné. “Nem sabia o que fazer à minha vida!” Deixou para trás o seu amor. Deixou para trás tudo o que era mais valioso na sua vida. “Não havia dia nenhum, hora, minuto ou segundo que não pensasse nela, esperando por voltar, ansiando por tocar novamente na minha Jacinta”. “O dia do regresso foi o dia mais triste da minha vida. Só me lembro da minha mãe me dizer: Ela morreu querido.” “Tranquei-me no quarto dias e dias” “Senti que a minha vida tinha acabado.” “Apenas me podia consolar do pequeno papel que me entregaram mal me deram a notícia – Ela deixou isto para ti.” “Trago-o sempre comigo, é o meu talismã!”. Olho, e mostra-me um papel amarelo e gasto pelo tempo. Lá, apenas constava um poema.

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
 Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.
Luís Vaz de Camões 

Questionei-me se quando observamos o principio do fim, não será antes o princípio da continuidade.

Monday, May 07, 2007

Tudo a seu tempo. Tudo a seu lugar

Vagueio por sensações. Vagueio por percepções. Oscilo entre o tempestuoso e o tempestivo. Muita agitação em tempo oportuno. Muita calma num campo que me sinto sem forças. Força de lutar ou força de continuar. Força para desistir ou persistir. Tudo a seu tempo. Tudo a seu lugar. Esperar ou aguardar. A fronteira entre o limitado e o ilimitado. A fronteira entre o dar e o receber. A fronteira entre o voluntário e involuntário. Entre o partir e o chegar. Tudo a seu tempo. Tudo a seu lugar.

Sunday, May 06, 2007

Adiar...

Sinto o cheiro de um novo dia. Resolvo percorrer as ruas com os pássaros na sua barulheira matutina a importunarem o meu despertar ainda meio letárgico. Numa pequena ruela mais escondida encontro o café da D.Alice. Os anos passaram e tudo permanecia sempre na mesma. Na D.Alice apenas se salientava o aumento de rugas no rosto. Após os cumprimentos da praxe, reparo num homem cabisbaixo que se encontrava no canto a ler o jornal. Observando bem a cara, lembro-me de quem era. O Sr. Francisco. “Oh menina, sente-se aqui que já não a vejo há muitos anos!”. Sentei-me. Aquele pobre homem transpirava ânsia de viver. Aquele homem procurava por todos os cantos todos os pequenos nichos de carinho que pudesse encontrar. Após os discursos da praxe, do que faço ou deixo de fazer na vida, o Sr. Francisco lá me começa a contar a vida dele. Pelo que ia ouvindo, tudo se podia resumir a uma palavra, ADIAR. Adiar o amor, adiar a vida… No fim, questionei-me de tudo o que perco por adiar.


Não pagar pequenas dívidas porque há tempo e agora é uma maçada.

Não tratar de assuntos burocráticos porque há tempo e agora é uma maçada.

Não limpar a casa porque há tempo e agora é uma maçada.

Não lavar a roupa porque há tempo e agora é uma maçada.

Não alimentar o gato porque há tempo e agora é uma maçada.

Não tratar de mim porque há tempo e agora é uma maçada.

Não resolver pequenos atritos diários porque há tempo e agora é uma maçada.

Não escrever uma carta a um amigo porque há tempo e agora é uma maçada.

Não telefonar a um amigo porque há tempo e agora é uma maçada.

Não dizer amo-te a alguém especial porque há tempo e agora é uma maçada.

O tempo que se perde no adiar. O que se perde no adiar. Em resumo, a vida. Desleixo, irresponsabilidade ou preguiça?

À noite de volta ao meu refúgio, encontro na minha caixinha secreta encarnada algo que me faz acreditar que é possível alterar o adiar para outra coisa. Vasculho e surge “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
 
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
 
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
 
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões