Princípio do Fim ou Princípio da Continuidade...
Levantei-me. A primeira coisa que fiz foi olhar para o meu tesouro, para a minha caixinha encarnada. De seguida enrolo-me novamente nos lençóis e começo a lembrar-me da história da vida do Sr. Francisco. Questionei-me sobre a mudança que me fez ao rever tal senhor. Sim, porque sofremos alterações sempre que alguém toca na nossa vida e nos faz pensar. Pensar duas vezes no que queremos, fazemos ou sentimos. Olhar para trás duas vezes e pensar no bom e no mau.
Descendo as escadas, observo o anjinho hindu e os macaquinhos da Guiné a sorrirem como se já soubessem de tudo o que me esperava. Como se me estivessem a segredar “tens de ser tu a fazer esta caminhada de descoberta”.
O mesmo ritual de sempre ao pequeno-almoço e só me apetecia novamente falar com o Sr. Francisco. Tentei mastigar o pão com manteiga o mais rápido possível. Tentei beber o leite com chocolate como se fosse um shot de uma porcaria qualquer.
“A minha amiga voltou cá hoje!”. Sou recebida com entusiasmo. Tento perceber a razão de ser de tal percurso de vida. Começa a contar-me as histórias de infância. Órfão de pai, descreve-me a vida atribulada da mãe e a luta que tal senhora teve de fazer para o criar. “Não julgues que isto é como hoje! Tanta facilidade para tanta coisa, e esquecem-se de semear o mais importante ”. Descreve-me a união e a força que sentia, o amor que era gerado por pessoas que nada tinham para partilhar, a não ser os afectos. Falou-me da sua primeira namorada, a Jacinta. “Era um anjo. Os cabelos castanhos despenteados pelo vento enquanto corríamos de mãos dadas para o nosso lugar, deixavam com a sensação de que era a minha mulher para sempre! Amavamo-nos como se não houvesse amanhã!”. Passado uns anos estalou a guerra colonial e lá teve de ir para a Guiné. “Nem sabia o que fazer à minha vida!” Deixou para trás o seu amor. Deixou para trás tudo o que era mais valioso na sua vida. “Não havia dia nenhum, hora, minuto ou segundo que não pensasse nela, esperando por voltar, ansiando por tocar novamente na minha Jacinta”. “O dia do regresso foi o dia mais triste da minha vida. Só me lembro da minha mãe me dizer: Ela morreu querido.” “Tranquei-me no quarto dias e dias” “Senti que a minha vida tinha acabado.” “Apenas me podia consolar do pequeno papel que me entregaram mal me deram a notícia – Ela deixou isto para ti.” “Trago-o sempre comigo, é o meu talismã!”. Olho, e mostra-me um papel amarelo e gasto pelo tempo. Lá, apenas constava um poema.
Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.
Luís Vaz de Camões
Questionei-me se quando observamos o principio do fim, não será antes o princípio da continuidade.